quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

uma história pequenina

Encontro um homem com Parkinson, com a marcha típica destes doentes, à porta do serviço onde tenho vindo a trabalhar desde há 3 meses para cá. Está perdido, mas não desorientado (esta palavra entrou oficialmente no meu dicionário de jargão médico, pese embora a simplicidade com que o utilizo enquanto vocábulo do senso comum). Pergunta onde está o Dr. M., que tem tonturas e a tensão alta, e o dr. recebe-o sempre. Digo-lhe que ele não trabalha neste serviço, e pergunto à secretária onde pode encontrá-lo. "Está nas Urgências", diz ela. Penso para mim, como vai este senhor, com ar de quem está quase a cair para o lado, ter com o tal Dr da sua confiança, por corredores confusos, cheios de gente apressada? Decido levá-lo lá, eu até estava de saída.
O senhor tenta apressar o passo, diz que não me quer tomar mais tempo, mas apercebo-me da dificuldade que tem nos movimentos e ando propositadamente mais devagar. Chegamos às Urgências e peço à secretária para avisar o Dr. M. que está ali o senhor para falar com ele.
O senhor deseja-me saúde para mim e para os meus, e diz que lhe faço lembrar a neta, enfermeira noutro hospital.
Só não lhe disse eu que ele me fazia lembrar o meu avô.
Saí a pensar que não tirei a sonda nasogástrica que tanto incomodava o Sr. A (um doente internado, que à custa disso me perguntou se não tinha coração), mas ajudei este senhor.
Ele há cada sublimação!

2 comentários:

a ortónima disse...

:)

senti o mesmo no último dia de urgências, quando um senhor que também poderia ter sido meu avô revelou o quanto eu o magoava ao picá-lo para uma gasimetria... e o sorriso radiante e os votos de felicidades para o futuro de uma outra senhora que poderia ter sido minha avó quando lhe disse que ia acabar o meu turno, mas que depois da ecografia, em princípio, iria para casa...

sinto-me muitas vezes dividida entre o "má-médica" e o "boa-médica", esta coisa de magoar para tratar, de ser frio e quente ao mesmo tempo. os casos que nos deixam deprimidos; e os que nos deixam mais "realizados". e somos tão pequeninas ainda.

tenho saudades tuas. dos intermináveis chás no magnólia, que continuavam pelo 54... :)

estás quase a ir para évora? palpitante?

T. disse...

querida R.,

creio que uma das coisas que se descobrem no estágio de medicina (que tanto prezei pela parte académica e clínica), é a forma como reagimos ao outro. através da auto-observação, e dos amargos de boca que nos deixam certas situações, em troca com o biscoitinho de ter conquistado um doente.